Entrou em vigor neste mês de julho a lei que altera o Código do Consumidor e estabelece uma série de medidas para evitar o chamado "superendividamento".
A Lei 14.181/21 foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro na sexta-feira (2). Ela aumenta a proteção de quem tem muitas dívidas e não consegue pagá-las, e cria alguns instrumentos para conter abusos na oferta de crédito.
Entre as novas regras, consumidores terão direito a uma espécie de recuperação judicial para renegociarem as dívidas com todos os credores ao mesmo tempo. A lei também passa a proibir qualquer tipo de assédio ou pressão para seduzir os consumidores.
O projeto define o superendividamento como a "impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo sem comprometer seu mínimo existencial".
Segundo pesquisa mensal da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o número de famílias endividadas o Brasil chegou a 69,7% em junho – maior percentual desde 2010.
Veja o que muda na prática na vida do consumidor:
Quem contrata crédito, mas fica totalmente impossibilitado de honrar seus compromissos financeiros, seja por desemprego, doença ou qualquer outra razão que impacte no orçamento terá melhores condições de negociação.
"Hoje, cada instituição faz como quer, acolhe o consumidor de qualquer jeito, faz acordos desfavoráveis pra quem está endividado. Isso vai mudar", diz Ione Amorim, economista e coordenadora do programa financeiro do Idec.
Segundo o Idec, estudos mostram que na tentativa de realizar os pagamentos desses empréstimos, muitos consumidores acabam fazendo outras dívidas.
"A aprovação da lei proporcionará aos consumidores, além da recuperação financeira, o resgate do seu poder de compra e sua dignidade, interrompendo o ciclo de cobranças constrangedoras e obtendo maior consciência sobre uso do crédito", afirma a economista.
Com a lei, a segurança do consumidor é garantida desde antes da efetivação de uma dívida, já que ela proíbe propagandas de empréstimos do tipo “sem consulta ao SPC” e a falta de avaliação da situação financeira do consumidor.
Será possível renegociar as dívidas com todos os credores ao mesmo tempo. A ideia é garantir um acordo mais justo para os consumidores, assim como é feito quando empresas admitem falência. A pessoa superendividada poderá pedir ao Judiciário que seja instaurado um processo para revisão dos contratos e apresentará um plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos.
Se não houver acordo, o juiz poderá determinar um plano judicial obrigatório para o consumidor e seus devedores, estabelecendo prazos, valores e formas de pagamento, respeitando-se o mínimo para o consumidor conseguir sobreviver.
A quantia mínima da renda de uma pessoa para pagar despesas básicas não poderá ser usada para quitar as dívidas. Essa medida impede que o consumidor contraia novas dívidas para pagar contas básicas, como água e luz.
"A ideia não é promover o calote, mas sim o pagamento da dívida com uma parte da remuneração, sem haver uma exploração do endividado", afirma Ione.
A nova lei determina que os bancos estão proibidos de ocultar os reais riscos da contratação de um empréstimo. Parece óbvio, mas isso nem sempre é feito. Agora, bancos, financiadoras e qualquer instituição que venda a prazo são obrigados a informar os custos totais do crédito contratado. Informações como juros, tarifas, taxas e encargos sobre atraso devem ser informados previamente.
O Idec alerta: caso o banco deixe de entregar uma cópia do contrato com essas informações, é uma prática ilegal e o consumidor pode reivindicar seus direitos.
Com a lei, se torna ilegal qualquer tipo de assédio ou pressão para seduzir os consumidores, envolvendo prêmio, por exemplo. Principalmente para pessoas idosas, analfabetas ou vulneráveis.
Segundo o Idec, quem se sentir pressionado durante o processo de contratação pode dizer não e deve denunciar o banco. A denúncia pode ser feita ao gerente ou à central de atendimento da instituição. Se o problema não for resolvido, a pessoa deve falar com a ouvidoria e enviar uma reclamação para o Banco Central.
Para que a lei prevaleça e seja de fato respeitada, Banco Central e entidades, como Procons e Defensorias Públicas de todo o país, vão precisar passar por treinamentos, para regulamentar as novas regras e fazer o acolhimento correto ao consumidor. Para Ione, do Idec, será preciso adotar padrões pra que a lei seja efetiva.
A mudança na lei dá mais artifícios para que o consumidor se informe e entenda exatamente os prós e contras na hora de pegar um empréstimo.
"A nova lei valoriza a educação financeira, estimula o consumo consciente e possibilita que o acesso a recursos financeiros seja feito de maneira sustentável. Em um período como este que vivemos, ainda impactado pela pandemia, um país com instrumentos legais de combate ao superendividamento oferece condições mais favoráveis para a recuperação sustentável da economia", diz Elias Sfeir, presidente da Associação Nacional dos Bureaus de Crédito (ANBC).
Bolsonaro vetou o trecho do projeto que determinava nulidade de cláusulas de contratos sobre fornecimento de produtos ou serviços baseados em leis estrangeiras que limitassem o poder do Código de Defesa do Consumidor brasileiro.
O presidente também vetou o dispositivo que limitava em 30% da remuneração mensal o valor de parcelas de crédito consignado e vetou o dispositivo que proibia, na oferta de crédito consignado, fazer referência a termos como "sem juros" ou "com taxa zero".
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) diz que são pontos significativos que ainda beneficiam os bancos na oferta do crédito consignado, mas considera a aprovação uma vitória.
"Com os vetos, há pontos que ficam muito superficiais na defesa do consumidor, em especial, para os idosos. Mas existe a possibilidade de derrubada dos vetos ou lutarmos por uma legislação específica do crédito consignado", afirma Ione Amorim.