Após quatro meses de vacinação contra a Covid-19 no Brasil, apenas 39% dos idosos foram vacinados com as duas doses, considerando todas as vacinas, o equivalente a 11,7 milhões de pessoas acima de 60 anos. Isso revela um desafio ainda maior para que o país consiga imunizar a maior parcela da população: a formada pelos adultos até 59 anos. Especialistas estimam a conclusão da vacinação só em 2023 e temem uma terceira onda da doença (leia mais abaixo).
Os dados foram tabulados pelo G1 a partir da base de vacinados do OpendataSUS, sistema do Ministério da Saúde em que estão registradas todas as doses aplicadas (veja metodologia ao final da reportagem).
Parte dessas pessoas, principalmente das faixas acima dos 65 anos, ainda aguardam chegar o momento correto de tomar a segunda dose, mas especialistas indicam que há uma importante parcela que não completou sua imunização. De todos que já tomaram a vacina, pelo menos 6,3 milhões de pessoas estão com a 2ª dose em atraso, segundo o levantamento feito pelo Laboratório de Estatística e Ciência de Dados da UFAL até quarta-feira (19).
"A distribuição etária deixa claro que temos um longo caminho pela frente", afirma o físico Marcelo Gomes, especialista em modelos de propagação de doenças da Fiocruz.
O gráfico abaixo indica o tamanho da população em cada faixa de idade e que parcela dela já recebeu só a primeira dose da vacina, as duas doses ou que ainda não recebeu dose nenhuma.
Ao ampliar a análise para todo o grupo prioritário, que totaliza pouco mais de 78 milhões de pessoas segundo a última atualização do Plano Nacional de Vacinação, vê-se que 45% receberam a 1ª dose e somente 20% podem ser consideradas imunizadas, pois receberam também a 2ª dose.
Entende-se como grupo prioritário os profissionais de saúde, os idosos acima de 60 anos, as grávidas, os indígenas, entre outras categorias incluídas recentemente.
O desafio é: como vacinar tanta gente ainda se, após 4 meses, o país não conseguiu cobrir nem os grupos prioritários?
Especialistas consultados pelo G1 listam os 4 principais entraves para que a vacinação seja efetiva:
Segundo levantamento do Laboratório de Estatística e Ciência de Dados da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), a cobertura vacinal dos adultos com mais 20 anos será concluída apenas no início de 2023 se for mantida a média de aplicação de segunda dose dos últimos 30 dias.
"À medida que vamos descendo mais na pirâmide, mais tempo demora para cobrir a faixa etária por conta da quantidade de pessoas em cada faixa", explica Gomes. "Ou seja, o impacto no total de hospitalizações e óbitos ainda vai demorar, pois até o momento só temos cobertura adequada na faixa acima dos 80 anos, que compõe uma fração pequena da população."
A vacinação eficiente é a principal arma para evitar uma terceira onda de casos e mortes causadas pelo coronavírus. A possibilidade de uma nova onda foi levantada pela Fiocruz, em um boletim extraordinário do Observatório da Covid-19 da fundação.
"A observada manutenção de um alto patamar, apesar da ligeira redução nos indicadores de criticidade da pandemia, exige que sejam mantidos todos os cuidados, pois uma terceira onda agora, com taxas ainda tão elevadas, pode representar uma crise sanitária ainda mais grave", afirma o documento.
No vídeo abaixo, que foi ao ar na GloboNews em 16 de maio, especialistas comentam boletim da Fiocruz que alerta sobre o risco de uma terceira onda da Covid-19 no Brasil.
O Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde (IHME), da Universidade de Washington, acredita que é provável uma terceira onda no Brasil no inverno por conta da sazonalidade do vírus e o baixo ritmo de vacinas, mas projeta que não será tão forte quanto a segunda onda.
"O IHME está projetando um aumento [da transmissão] no inverno no Brasil devido à sazonalidade e à baixa distribuição de vacinas", afirma o professor Ali Mokdad, um dos líderes do projeto modelagem de Covid-19 do IHME.
"No entanto, não será tão alto quanto o que vimos com a segunda onda porque muitas pessoas já foram infectadas. Mas se uma nova variante de escape for introduzida, as coisas podem ser piores, pois infecções anteriores não serão muito protetoras", alerta.
O IHME usa um modelo estatístico para calcular o número total de mortes por Covid-19, incluindo aquelas que não foram comprovadas por testes. Dessa forma, tenta corrigir a subnotificação que ocorre em praticamente todos os países. As projeções do instituto são usadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) e pelo governo norte-americano.
Segundo a epidemiologista Ethel Maciel, professora da Ufes, a vacinação, se for mantida no ritmo atual, não deve conseguir segurar um novo aumento de internações e mortes.
"A gente já começa em um patamar muito alto de casos novos. Esses novos casos desta semana vão se refletir em internação daqui a duas ou três semanas e em óbito aproximadamente daqui a três ou quatro semanas. Então, muito possivelmente, em meados de junho, início de julho, nós vamos ter números muito grandes de internações e óbitos, pressionando novamente o serviço de saúde. O que estamos chamando de terceira onda."
Ela afirma que não é possível afirmar que a pandemia esteja controlada atualmente, já que o número de casos e óbitos está em um patamar alto.
Croda explica que sim, no caso da Astrazeneca, uma dose da vacina já confere uma porcentagem alta de proteção. "Uma dose da vacina já tem uma eficácia de 76%, superior a 50%, exigidos pela OMS. De 100 pessoas que tomam a vacina, 76 estarão protegidas a partir do 22º dia". Mas ele reforça que é preciso completar a vacinação com a segunda dose. "Você sai de 76% para 81% de proteção. E quanto maior for sua proteção, melhor".
A baixa adesão à segunda dose da vacina em faixas etárias mais elevadas, segundo especialistas, reforça que é necessário uma ação mais ativa do governo para que os idosos completem a imunização.
"A gente fica esperando as pessoas irem procurar. Falta um papel mais ativo do governo. Buscar essas pessoas. Pode pegar telefone, enviar SMS quando for a data de tomar a segunda dose, pode verificar o território que a pessoa está, acionar os agentes de saúde”, afirma Moraes.
Oliveira também destaca a importância de despertar o interesse da população em se vacinar. “A vacina tem que estar acessível, senão as pessoas têm que se deslocar, e às vezes elas não têm dinheiro para isso.” No entanto, como pondera Brigina, no cenário atual, é mais importante ter controle de quem é vacinado, porque não há doses suficientes para ampla distribuição.
A falta de comunicação pode prejudicar todo o processo de imunização, diz Oliveira. “Mesmo que tome atrasada, é preciso tomar a segunda dose para estar imunizada. E, sem a busca ativa, sem os municípios irem atrás das pessoas, a tendência é que tenha mais abandono vacinal”, lamenta.
A disponibilidade de dados diários por município, com indicadores básicos sobre a cobertura vacinal, também é uma das deficiências da campanha de vacinação brasileira contra a Covid-19, apontam.
Segundo os especialistas, o sistema de monitoramento do Ministério da Saúde, o Localiza SUS, hoje é voltado apenas para as doses e não ajuda os municípios a rastrear e monitorar a população vacinada e não vacinada para poder agir.
Para Brigina, faltam indicadores básicos para a gestão da vacina, como:
“Esses indicadores não são oferecidos no painel do governo, e muitos municípios não têm estrutura para processar a base do OpendataSus diariamente, que é muito grande e exige um programador para mexer”, aponta a epidemiologista.
Outro ponto, apontado tanto por Brigina quanto por Oliveira, é a imprecisão na definição do público prioritário, porque são estimativas que se baseiam no Censo de 2010. “As definições dos grupos dependem de uma avaliação censitária que já está afastada da realidade”, diz a epidemiologista. “Então, para alguns lugares, a população está superestimada e, em outros, subestimada.”
Segundo Ethel Maciel, outras medidas deviam tomadas para conter o vírus enquanto a vacinação não é acelerada. "A gente poderia ter outros elementos para impedir [esse crescimento], como fazer testagem em massa", afirma.
"Ampliar a testagem para descobrir pessoas positivas antes mesmo que elas possam apresentar algum sintoma. Ou identificar pessoas assintomáticas que estão transmitindo. Analisar todos os contatos de quem testou positivo, fazendo um trabalho de busca ativa."
Ali Mokdad, do IHME, também ressalta que medidas precisam continuar a serem seguidas. "As máscaras são fundamentais e as medidas de distanciamento social podem ajudar a retardar a transmissão. Distribuir as vacinas mais rápido - se possível, mesmo com a escassez - também ajudaria."