Com direito a palestras que trouxeram tanto emoção quanto esclarecimentos necessários sobre o TEA (Transtorno do Espectro Autista) a audiência pública “Autismo, Inclusão e Direitos: um diálogo à compreensão para proteção” lotou o plenário da Assembleia Legislativa na manhã desta segunda-feira (23) em Campo Grande. O evento, proposto pelo deputado Neno Razuk (PL) reuniu especialistas de Mato Grosso do Sul, São Paulo e Goiânia, além de entidades representativas e autoridades do Tribunal de Contas do Estado, da Defensoria Pública, do Ministério Público Estadual, vereadores e vereadoras do interior do Estado. A abertura foi feita pela Banda Down Rítmica do Brasil, que abrilhantou o evento tocando Superfantástico e encantando a todos. O fechamento ficou por conta do depoimento emocionante do administrador Emerson Farias, que é autista e hoje além da formação e especialização nos Estados Unidos, hoje palestra sobre o tema inclusão e atua na formação de pessoas. Também foi lançada uma cartilha sobre o tema: “Autismo: conhecer para proteger”. “Hoje tivemos aqui um importante passo para Mato Grosso do Sul na questão TEA. Lançamos essa cartilha que foi escrita por especialistas num trabalho conjunto para levar esclarecimentos e informações para as pessoas. É um dia histórico, onde todas essas pessoas que estão aqui neste plenário estão discutindo um tema que faz parte do dia a dia de todas as famílias. O resultado é bastante positivo e me sinto grato por todos que estiveram aqui, alguns inclusive enfrentaram o bloqueio em estrada, mas conseguira, chegar e participar da nossa audiência”, agradeceu Neno Razuk sobre o sucesso do evento. Entre as resoluções finais estão a solicitação de mudança da legislação para que os professores da Educação Especial sejam contratados em concurso público da chamada “vaga pura”, além da união de esforços para a implantação de um “Centro de Referência TEA” para atendimento nas macrorregiões do Estado. Outro ponto foi também ampliação do atendimento para diagnóstico, acompanhamento e tratamento no interior.
Avanços e humanização
De Goiânia, o psicólogo Marcus Fleury, especialista em TEA, abordou a necessidade de rever a nossa própria existência e crenças pessoais sobre o que é “normal”, sempre com um olhar humanizado. “Precisamos muitas vezes rever os conceitos da nossa existência para que possamos ter um olhar do amor e do acolhimento, para não exercer o papel do desfavorecimento científico. A ciência está mudando, é preciso um olhar mais humanizado, com uma revisão de conceitos e valores”, destacou ele. Durante sua fala ele ainda destacou o papel dos estímulos para as crianças. “Não adianta só olhar a criança por fora se não trabalhar a neurociência, a neurociência tem que fazer parte para conhecer o cérebro tão grandioso que é o da criança com TEA. O cérebro é plástico e com o estímulo, isso muda. Que estímulo temos dado para essas crianças? E um evento assim é um caminho. Com uma cartilha, gerando possibilidade da sociedade conhecer mais e acolher. Uma sociedade que acolhe e não se afasta. E quando a criança entra em crise? Abrace. Não gosta de abraço? Entenda. E não importa se a sociedade tem que entender seu filho. Mas você tem que proteger seu filho. Construir pontes com ele, proporcionando condições de desenvolvimento saudável, ele vai se sentir seguro. E os pais também precisam do suporte terapêutico, para compreender a finalidade tanto da maternidade quanto na paternidade”, destacou. “Criança é criança. Temos que destruir qualquer possibilidade de preconceito. Se há diferença entre elas de comportamento ou não, é preciso entender.”, frisou ao finalizar a palestra. Também de Goiás, Ludmylla Pereira Carvalho Ribeiro, fonoaudiólogo, psicopedagoga, pós graduada em inclusão lembrou que a fonoaudiologia tem um papel de suma importância, não só na comunicação, fala ou voz. “Também trabalhamos pela reabilitação relacionas as funções de deglutição, expressão da face, habilitações de fala e promoção da saúde num geral. E as pessoas com TEA tem a necessidade dessa comunicação e da inclusão. O sucesso na evolução está muito na inclusão do aluno com TEA e a escola. A escola faz um papel diferencial. Mato Grosso do Sul está a frente de muitos estados no trabalho TEA”, elogiou. Sobre os autistas terem acesso ao ambiente escolar inclusivo, Ludmylla vai além. “Não é só levar para a escola, é preciso incluir nas atividades, focar nas habilidades e trazer o aluno para junto de todos. Receber uma criança atípica pode ser um desafio para a coordenação pedagógica, mas não é só receber é promover a inclusão. E é um dever legal de qualquer escola”.
Capacitismo e justiça ocupacional
O médico Psiquiatra Wendell Dalprá pontuou sobre o quanto o diagnóstico acaba englobando toda a família. “Quando uma criança recebe o diagnóstico de atipicidade os pais também recebem o diagnóstico. Temos hoje um aumento no número de diagnóstico porque os métodos evoluíram e há mais acesso ao diagnóstico. Muitas vezes é estigmatizante, é difícil ainda colocar que padece de um adoecimento psíquico, porque a maneira que olham não é a mesma. Ainda temos muito a evoluir nesse quesito. Mas isso não é para o paciente. Temos que encarar o diagnóstico como fortalecedor, como uma bússola”, apontou, reafirmando que n]ao é uma sentença. O especialista ainda pontuou a empatia e o papel do adulto na vida das crianças. “A ideia é tentar como essas crianças se sentem, sei que é difícil. Criança precisa de limite? Não, ela não precisa de limite, ela precisa de adulto. E o adulto tem que ser o responsável. Um dos maiores erros que cometemos é achar que a criança sabe o que fez de “errado”, seja a ‘birra’, a autoagressão. Os filtros sociais do atípico não são pré-instalados. A injustiça ocupacional foi o tema proposto por Joyce dos Santos Marques, terapeuta ocupacional que apontou que que muitas pessoas com autismo sofrem com a injustiça ocupacional pela falta de oportunidade. “Porque todas as pessoas com deficiência podem exercer funções que sejam adequadas para elas. É muito importante essa discussão para que as crianças tenham acesso a tratamento, não só do TEA, sim da pessoa, porque cada pessoa é única e precisa ser respeitada. E sem bons profissionais não teremos acesso à justiça ocupacional. Mas isso começa também com o acesso ao tratamento, as terapias, porque as pessoas com vulnerabilidade social sofrem mais para ter esse acesso. Muitas vezes uma mãe precisa escolher entre trabalhar e levar o filho nas terapias”; disse ela citando Manoel de Barros para falar sobre as diferenças e necessidades das crianças atípicas. Com o olhar de quem está na sala de aula o professor Diogo Freitas Marques, também deu um depoimento importante sobre sua experiência e orientações. “Precisamos mostrar que cada um tem o seu tempo, os autistas podem ter o tempo diferente dele e dentro da sala de aula essas diferenças se sobressaem. Sou professor de apoio na rede estadual e temos um projeto para levar informação e conhecimento para que as pessoas sejam informadas sobre acessibilidade, empatia e sobre as diferenças. Podemos incluir com atividades diferentes, jogos, ludicidade e fazer a mediação do conteúdo para o estudante para que ele consiga aprender. Ressaltar também a parceria entre a escola e a família para entender a história de cada estudante, como auxiliar e como contribuir e pensar no estudante para o futuro, com autonomia e inclusão”, sugeriu. Ana Luiza Razuk, acadêmica de medicina em São Paulo afirmou que há a necessidade de ampliação de vagas em residência médica nas especialidades para atendimento de pessoas com TEA. “O sistema de saúde não acompanhou o aumento da demanda das necessidades médicas das pessoas com autismo. No Brasil temos poucos profissionais de saúde com formação para pessoas com autismo, e isso gera longas filas de espera, demora no diagnóstico e atraso no tratamento adequado. É uma luta para que as famílias consigam encontrar profissionais especializados para atender as necessidades. Precisamos de soluções para esses desafios, tais como ampliar o número de vagas para residência médica especializada para autistas como por exemplo psiquiatria”.
Justiça e Capacitismo
Eduardo Floriano de Almeida, Juiz da Vara de Sucessões em Dourados trouxe o assunto não só de forma jurídica mas no olhar de quem tem pessoa com autismo na família. “O capacitismo não tem uma definição legal, mas nós temos no estatuto da pessoa com deficiência. É importante a gente tratar do assunto, tratar a ideia que temos com relação a pessoa com deficiência. Esse olhar enviesado que a pessoa com deficiência não vai conseguir realizar atividades que qualquer pessoa possa realizar. Com 4 milhões de pessoas com autismo no Brasil, que são números não oficiais, nós temos que falar no capacitismo para que não seja criado o preconceito que eles não são capazes. O preconceito as vezes chega a ser inconsciente, e a ideia é justamente combater esse capacitismo. Nós vivemos numa sociedade em que somos criados com a ideia de que nós todos somos iguais e tudo aquilo que é diferente nos incomoda, e todos nós temos atitudes capacitistas durante todo nosso transcorrer e precisamos estudar isso para tentar combater os seus efeitos”, apontou em sua fala. Para ele é preciso também punir juridicamente. “Centrar nas ideias de como combater na série de condutas que podem ser punidas juridicamente quando se trata de discriminação. Também centrar na inclusão. O grande desafio é enxergar a pessoa com deficiência com valores humanos, sem olhares de pena, caridade, compaixão. Que simplesmente seja permitido viver como qualquer um dentro da sociedade”. Uma das autoras da cartilha lançada durante o evento, advogada Jovenilda Bezerra Felix, especialista em saúde e em Direito das Pessoas com Deficiência, trouxe além de seu conhecimento sua história de vida, abordando ainda o diagnóstico tardio e necessidade de ampliar o acesso aos direitos que autistas e familiares tem. “Nós precisamos falar não só sobre as crianças autistas, mas também dos adolescentes e dos adultos autistas, já que o diagnóstico tardio está cada vez mais frequente e ações como essa audiência pública são importantes para que as pessoas tenham acesso aos seus direitos. E nós precisamos falar sobre esses direitos, para que as pessoas que sofrerem violações possam buscar seja no MPE (Ministério Público Estadual), seja na Defensoria Pública ou com um advogado, o atendimento aos direitos”.
Emoção e aplausos
Autista Emerson Farias, deu um depoimento importante sobre sua trajetória e sobre as necessidades de entender e se “encaixar” nas formalidades e seu desenvolvimento ao longo dos anos. “Hoje eu sou instrutor de uma empresa norteamericana para desenvolvimento de outras pessoas. Sempre busquei fazer coisas difíceis, a comunicação por exemplo. Mesmo quando queria ficar quietinho num seminário eu me desafiava. Mas isso aconteceu porque tive professores muito positivos”, relembrou. Emerson ainda pontuou que o grande desafio é demonstrar a emoção. “Outro dia eu falei para a minha mãe que eu a amava e ela chorou. Porque é muito difícil eu demonstrar. E eu aprendi que é preciso fazer isso, demonstrar afeto, que as pessoas precisam de carinho. É preciso tratar com amor e om respeito, porque aí o autista consegue tratar com esse amor e mais respeito. E eventos como esse ele traz enteidmento sobre tratar com amor e com respeito, sobre como acolher e não só separar”, contou ele que ainda afirmou que depois de palestras na audiência pública, terá uma “ressaca social”, mas que vai valer a pena. “Talvez se ninguém, tivesse me ouvido, eu não teria hoje uma formação em uma universidade americana e não estaria tendo a oportunidade de formar pessoas. Eu fui tratado com amor e com inclusão. Está tudo bem, com os desafios e entendendo fica tudo mais fácil”, finalizou emocionando a todos e sendo aplaudido em pé.